Nunca encontrei uma alma que não quisesse resistir ao centauro rubro-alado
& ao seu arco da Verdade.
Quantas vezes não o cruzei na
Amaral com a Major, retesando uma língua farpada:
Que as rosas beijem meus lábios
vivos & não as serpentes mortas.
As violetas que toquem meu músculo
na ferocidade do trovão.
Amo a vida, seus calores me engrandecem, combato o maligno & as virgens
que se entreguem!
Eu vomito flechas chamejantes & trago um machado à cintura...& vós, só enfeites.
Não sois o raio lucino, & não
venerais as brumas com sangue e coração!
Quem sois, nádegas quadrúpedes
sobre colunas sedentas sem piedade?
Sois os instintos malevos que
fenecem nas chamas dos devassos lanhados pela navalha?”
Perturbado pela brisa da tormenta,
ouvi um deus em pústulas & sedas purpúreas
brandindo ferros e roubando o arco do
sagitário
(ele urinava nas brumas centáureas com
arrogância de velho).
O cavaleiro nitriu pela mandíbula
atroz e denunciou sua farsa:
“Meu nome é Déspota, protejo
minhas verdades com o vermelho
& decepo meus ofensores com a
mesma gula que estupro minhas concubinas.
Dá-me o arco e toda voracidade
retornará para esta Avenida, que é seu próprio carrasco!”
Os mendigos & suas flautas
amolecidas pela cachaça sobre um banco sem trégua
contaram
as récuas de escravos que outrora pertenceram a este senhor de armas.
Minha mente sacudiu que um império
decaíra como os grãos pútridos no
insosso do Tempo.
O deus leproso sussurrou as razões
da correnteza que precipitara a decadência
para a luminária abraçada por ninfas
magérrimas.
Todos os males vulneram os faunos
que exalam bílis
pelas orelhas, sempre ajoelhados sobre
uma braguilha imunda.
Eu imaginei as ninfas correndo
pela boscagem & meninos atacando-as na volúpia matinal,
apoderando-se de suas espáduas e cinturas
oprimindo com fortes estocadas a saúde dos momentos labiais mais
profundos,
& sei que o desprezo compõe a
paisagem do Elevado
com o vigor dos vermes & suas perversões,
mas eu não me preocupo.
Eu
matei o eunuco enquanto ele massageava um fauno no banquete glorioso!
Eu
o enterrei sob uma cama de esterco e urinei sobre seu mausoléu dourado
& o deus limpava seu nariz na seda & cuspia nas nuvens que o ocultavam dos loucos.
Quem não viu os dedos carcomidos
acariciando uma noiva em trajes angelicais?
Quem não a viu ajoelhar-se nas
areias voraginosas e deglutir a glande do leproso?
As mais melindrosas jamais
deixariam um senhor distinto sucumbir
sem fruir do sangue rasgado.
Aprendei a não a enjoar dessas
hecatombes & estupros
pois o medonho assusta até os
mais impunes assassinos
& neste tempo em que as flores
sucumbem
uma
monarquia ascende como um eclipse perpétuo
todas as ninfas & faunos sob a
plenipotência de Maldoror, cravo da Vida.
Auslegung: tudo é interpretação, como já dizia Nietzsche. é triste ver nossos poetas interessados mais em política do que em poesia. muitos deles estão mais preocupados com as políticas públicas do tal multiculturalismo do que realmente com o conhecimento da cultura produzida pelos homens. odeiam Harold Bloom, mas não leram 10% do que ele leu. nesse poema eu interpretei Lautrèamont, como é evidente. eu o digeri enquanto caminhava pelo centro podre de São Paulo. os defensores públicos protegem a podridão do centro, porque não são eles que vivem essa putrefação da condição humana. mas isso é conversa de militante. & eu odeio militância.
viva a violência do centauro!