sábado, 17 de novembro de 2012

EMBRIAGAI-VOS, Ó PENITENTES DESTA TERRA!

                                       1

O absinto é meu astro fulgente vibrando
como um deus enquanto eu deliro sob o pomar
três virgens mortas pela impureza do entardecer

desfilam nuas sobre a ponte &
o mar embaixo arrebenta turbilhonante
ébrio, eu abraço o gavião ensolarado

para atravessarmos o Horizonte sem esperança
já estás vazia, mulher-sacórfago, 

& preciso de ti para quebrar minha goela
é lamentável que nossos dias não sejam

todos ungidos com a embriaguez mais pungente
não seremos menos infelizes devorando alfaces

                                 & cenouras para a alegria da intangível Beleza
sorve teu alcatrão para aquecer o ventre,

pois é deste que nascem os luminares perdedores da Humanidade
eu sei, estou incomodando com minha contundência,

                      mas todo bêbado tem o eterno direito à Sinceridade
Sincerida, ó perfeitos da terra, que não conheceis.



                  (Nobilíssima Faculdade de Direito da USP, junho 2012)


                                        2

Largo São Francisco, eu me embriago no teu pátio
                                              & a Pomba me abandona
o absinto acalma minha gastrite espiritual

                                              com o aroma verde do cosmos

eu seria uma águia pousando na vertigem dos amores perdidos

quanta perfídia nos pobres que sujam as praças!
Lúcifer, Lúcifer, Lúcifer, por que temos de ser caridosos,
             se podemos simplesmente voar incendiando a cidade?
górgonas e centauros depredam
                                     estes corredores infestados de cidadania
fora daqui, bons moços!
Eu preciso de poetas!




                  (Nobilíssima Faculdade de Direito da USP, junho 2012)



                                         3


Eu recomponho a plenitude da Imaginação
 
cavalgando tua voz, Kermann’s

Quero saudar a libertação do Universo que palpita perpetuamente

                                                                                    em tua alma

 
Quando escuto teu grito vibrante na alegria contínua

                                                        com a força da Terra,

eu canto meus poemas dançando com a Morte,

                                         essa brisa doente de saudade

 
Eu compartilho contigo minha exaustão diária no subúrbio,

                                        abandonando a Finitude do operário

                                        & me descabelando no Infinito

 
Bailarinas perdem o sono na espuma de nossa luxúria

Violamos mulheres aventureiras perdidas nas esquinas

                                                      da Praça João Mendes
 

Por que obedecer aos burgueses?

Por que alimentar desabrigados?

 
Nossa fúria não comunga com padres doutrinados na salvação

Nossa loucura nos chuta para a violência da Vida

                               pelo simples prazer de sermos

              violentos como ela

Desobedecemos completamente aos patrões, aos clientes,

                                          aos revolucionários de botequim

                                          & a todos os eunucos dos partidos

 

Nossa sombra ri no ritmo melancólico de um violoncelo

vivendo seu êxtase onde Nietzsche

se debruçou para morrer
 

Criminosos & acadêmicos percorrem a noite brincando

                       no teatro do exorcismo, mas não trafegamos,

                       meu adolescente azul, pelos caminhos deles
 

De mãos dadas contigo o entardecer
 
                     ganha uma triste aurora doce de beijar


Sendo um Espírito Livre não posso viver sem vomitar diariamente

                              em órfãos que dormem invocando a Redenção
 

Toda Estrela da Manhã é meu pecado favorito
 

Inútil, arqueado sobre mim mesmo, embalo teu corpo quente

                   encarnando, pela boca, todas as tuas dissonâncias
 

Minha consciência desperta numa sepultura
 
           disseminada pelo céu, onde querubins desobedientes
 
            flagelam maconheiros & fumam nicotina
 

Kermann’s, meu amor,
 
                 somos mais puritanos que um convento,

                 vamos sufocar burocratas na Faculdade

                 de Direito & fugir para a intimidade

                 do Infinito!
 

Quero te beijar violentamente & quero me beijes, ó delírio violeta

Todas as náuseas serão carícias tuas

Não há dor quando sou tua lâmina de matar o Tédio



terça-feira, 30 de outubro de 2012

ALLYNE

Lábios Enfurecidos pelas Vibrações rugiam em meu Pescoço
          eu estive um inseguro Fora da Lei no antro dessas Coxas, & não pude
                                        oferecer Pétalas às Nuvens para umedecer teu Sexo
esta Atração com data para o Infinito senta-se ao lado do Conhaque 
nós não seríamos mais felizes se a Patrulha dos Bons Costumes fosse extinta
na hora do Encontro eu abençoo os Cometas explodindo na Cítara desses Olhos
não terei Medo, não terei Horror, não serei Fofoca, Chacota, Mesquinharia, Sociedade
eu apagarei sim o Relâmpago da Morte na Enxurrada dos teus Cabelos Despenteados

sábado, 27 de outubro de 2012

O MAIOR POEMA DE ROBERTO PIVA


"PRISIONEIROS,
DEGREDADOS,
SODOMITAS,
HERÉTICOS,
PIRATAS,
ESTE PAÍS
NASCEU DA
ANARQUIA.
TIVEMOS
TODAS AS
OPORTUNIDADES
PARA VIVER O
MATRIARCADO
DE PINDORAMA,
SUA POESIA &
SEU MITO.
ENTREGAMOS
NOSSA
LIBERDADE
NAS MÃOS
EUNUCAS DA
IGREJA CATÓLICA,
DOS ACADÊMICOS
& DOS
ESQUERDISTAS
DE PAU PEQUENO"

Roberto Piva, Mairiporã, 90

CONSTELAÇÃO DE NERVOS NA GAROTA - poema sobre a lucidez da Sexualidade



Garota do pênis violeta,
                 o veneno do teu coração virou febre naquela cama
teus seios pronunciaram palavras místicas no noturno dos suores
o corpo que reveste teu espírito é uma mágica fórmula de prazer
                                           & o castanho liso de tua longa cabeleira
                                           goza como o feliz punhal desta Revolução.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

OS CENTAUROS DE ROMA





Contemplei os centauros de Roma voando
pelos sertões até as planícies celestes
& suas patas consumidas pela voragem
trituravam as colheitas dos camponeses.

Contemplei os centauros de Roma disseminando
sortilégios para a devastação não
esmaecer em suas cores românticas.

Contemplei os centauros de Roma esfolando
as cabeças dos cangaceiros, de suas mulheres,
de seus poetas & de seus coronéis.

Contemplei os centauros de Roma aumentando
com o gelo & de suas gargantas disparavam
harpias calibre 7.62 para fulminar os fracos.

Contemplei os centauros de Roma benecômatos
& enregelados decepando cabras valentes,
perturbando o sono dos caudilhos,
engendrando discursos nada cordiais.

Sim, contemplei os centauros de Roma instaurando
a concórdia pelas armas sangrentas de Marte
& vi que isso era bom.

AURORA DE MALDOROR II



                                       


Maldoror enlouqueceu no Anhangabaú
            em seus cornos retorcidos as seitas pudicas treparam
            com a Sodoma de cabras & serpentes só vísceras
            em sua cabeleira azul crânios infernais instilavam
            ácido nas ventosas em que devotos se reuniam para esfregarem nádegas
            toda a cor que dormia nos seus dentes macerava o plástico do altar

eu acariciava os cachos do leão-anis
            & ele sangrou uma cidade   púrpura   voragem   mel
            eu verti libações aos espectros dos manguezais
            na tez marmórea do vento ouvi o cinza dos templos
            a acidez melíflua do sangue era uma névoa
            a face inchada do carbono estampava a crueldade
            todos os cadáveres das bacantes decapitados por mim

na abóbada da catedral eu & Maldoror urinamos
            desmanchamos a dinastia das feiticeiras
            ergui os nacos das malditas em honra do Leste Nascente
            Maldoror & eu comemos os membros decepados
            contemplamos uma mescla púrpura-avermelhada
sobre a vulva explorada da Virgem
            nossos deuses dançaram medonhos no carnaval das guerras
            dois cisnes hierofantes   deslizamos no tapete das ruas cariadas.

Vinde conosco dar magia aos famintos
            abri vossos punhos para eviscerar as sacerdotisas
            lavemos nossas brumas com os olhos fenescentes

Vinde dependurar a pestilência nas garras do teto lamacento
deixai o sangue da tirania ouvir vossos leões mortos

Vinde conosco ou abandonai o vento hierofante da aurora de Maldoror.


Auslegung: Maldoror é a Carta Magna, a Constituição da Poesia Marginal. Na verdade, ele é uma Verfassungslehre da Poesia Maldita. Maldoror não é Humildade, Caridade, Solidariedade, Fraternidade. 
Não. Maldoror quer contemplar a beleza da queda humana. Maldoror não é bom com os fracos, com os injustiçados, com os condenados, com os depauperados, com os empobrecidos, enfim, com aqueles que não encaram a tragédia da vida de frente. 
Não. Maldoror é uma estrela vibrando contra todo o Social. Sua noção suprema de Bem & Mal é apenas uma interpretação, uma digestão tirânica, da realidade do homem. 
Os poetas humildes não terão lugar neste blog. Porque eles não abrigam Maldoror em um templo. Eles preferem a Igualdade. But Equality holds back.


sábado, 6 de outubro de 2012

OS IMORTAIS TAMBÉM AMAM


Da nuvem violeta desceu a Infinita Loucura,
      & ela proferiu, brandindo a lança:
"Ela não virá. Tua barba & tua cabeleira são de uma Fúria.
Tens na pele feridas de antigos combates ao meu lado.
Teu verbo desejoso por demais a assustou.
Fulguras decadente, como eu quando cai, soberbo,
            & ela vive a mediocridade mundana, o sonho da fama & da fortuna.
Desperdiçaste teu ardor apaixonado com uma vil mortal guiada pela mediania.
Ela não virá.
Eu vim para dizê-lo."
Fulgente, ascendeu o Perpétuo Venenoso, sempre atacante.
Eu, tolo, ruflava minhas asas rumo ao poente, & ali me deitei,
                                    envergonhado, despido, humilhado, vencido.




quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O LAMENTO DO ARCANJO






Ó Altíssima Radiância,
com uma paixão ardente eu canto esta serenata
Ela caminha envolta em um longo peplo sedoso
                & eu lamento, às lágrimas, sua triste partida
Sua tez sardenta fulge numa etérea castidade
Nunca mais olharei naqueles olhos perfumados pelo Céu
Minha visão enfraquece sem sua Figura
Por favor, dai-me qualquer unguento para estas feridas
Eu sou um ramo de cravos sangrando no funeral desta rubra flor
Eu a amava, & seus olhos hoje desprezam os meus
Nenhuma Harmonia emana daquela boca que recusa a minha
Nascido para a Felicidade, encontrei os infortúnios da Virtude
Para aliviar minhas lágrimas ingênuas, só a Graça do Paraíso

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

AURORA DE MALDOROR




Nunca encontrei uma alma que não quisesse resistir ao centauro rubro-alado
          & ao seu arco da Verdade.

Quantas vezes não o cruzei na Amaral com a Major, retesando uma língua farpada:

“Ao inferno com vosso ouro & vosso afeto...
Que as rosas beijem meus lábios vivos & não as serpentes mortas.
As violetas que toquem meu músculo na ferocidade do trovão.
Amo a vida, seus calores me engrandecem, combato o maligno & as virgens
                                                                                                              que se entreguem!
Eu vomito flechas chamejantes & trago um machado à cintura...& vós, só enfeites.
Não sois o raio lucino, & não venerais as brumas com sangue e coração!
Quem sois, nádegas quadrúpedes sobre colunas sedentas sem piedade?
Sois os instintos malevos que fenecem nas chamas dos devassos lanhados pela navalha?”

Perturbado pela brisa da tormenta, ouvi um deus em pústulas & sedas purpúreas
      brandindo ferros e roubando o arco do sagitário
                                            (ele urinava nas brumas centáureas com arrogância de velho).

O cavaleiro nitriu pela mandíbula atroz e denunciou sua farsa:
“Meu nome é Déspota, protejo minhas verdades com o vermelho
& decepo meus ofensores com a mesma gula que estupro minhas concubinas.
Dá-me o arco e toda voracidade retornará para esta Avenida, que é seu próprio carrasco!”

Os mendigos & suas flautas amolecidas pela cachaça sobre um banco sem trégua
            contaram as récuas de escravos que outrora pertenceram a este senhor de armas.

Minha mente sacudiu que um império
        decaíra como os grãos pútridos no insosso do Tempo.

O deus leproso sussurrou as razões da correnteza que precipitara a decadência
                                                               para a luminária abraçada por ninfas magérrimas.

Todos os males vulneram os faunos que exalam bílis
        pelas orelhas, sempre ajoelhados sobre uma braguilha imunda.

Eu imaginei as ninfas correndo pela boscagem & meninos atacando-as na volúpia matinal,
   apoderando-se de suas espáduas e cinturas
    oprimindo com fortes estocadas a saúde dos momentos labiais mais profundos,
& sei que o desprezo compõe a paisagem do Elevado
    com o vigor dos vermes & suas perversões,
      mas eu não me preocupo.

            Eu matei o eunuco enquanto ele massageava um fauno no banquete glorioso!
            Eu o enterrei sob uma cama de esterco e urinei sobre seu mausoléu dourado
            & o deus limpava seu nariz na seda & cuspia nas nuvens que o ocultavam dos loucos.

Quem não viu os dedos carcomidos acariciando uma noiva em trajes angelicais?
Quem não a viu ajoelhar-se nas areias voraginosas e deglutir a glande do leproso?

As mais melindrosas jamais deixariam um senhor distinto sucumbir
  sem fruir do sangue rasgado.
Aprendei a não a enjoar dessas hecatombes & estupros
                  pois o medonho assusta até os mais impunes assassinos
& neste tempo em que as flores sucumbem
uma monarquia ascende como um eclipse perpétuo
todas as ninfas & faunos sob a plenipotência de Maldoror, cravo da Vida.


Auslegung: tudo é interpretação, como já dizia Nietzsche. é triste ver nossos poetas interessados mais em política do que em poesia. muitos deles estão mais preocupados com as políticas públicas do tal multiculturalismo do que realmente com o conhecimento da cultura produzida pelos homens. odeiam Harold Bloom, mas não leram 10% do que ele leu. nesse poema eu interpretei Lautrèamont, como é evidente. eu o digeri enquanto caminhava pelo centro podre de São Paulo. os defensores públicos protegem a podridão do centro, porque não são eles que vivem essa putrefação da condição humana. mas isso é conversa de militante. & eu odeio militância.

viva a violência do centauro!


terça-feira, 25 de setembro de 2012

VOCÊ, UM ANIMAL

Não foram homens. Foram animais. 

Ela estava com um vestido justo e decotado. Seus longos cabelos cacheados deslizavam pelas costas lisas e sedosas. Sua boca estava coberta com um gloss vermelho que encantava a todos. 

Ela dançava requebrando, sem vergonha alguma. Ela sabia que seu corpo era uma máquina de sedução, & não deixava nenhuma dúvida de que seu objetivo, ali, era levar um homem à loucura. 

Sem refletir muito, bebeu tudo o que podia: vodka, contini, campari, jurupinga. Um dos rapazes, dotado de um peitoral maciço decorado com uma corrente de ouro, deu-lhe um comprimido azul, que ela engoliu a seco.

A hora passou, & apareceram uns caras estranhos, mal encarados. As amigas resolveram ir embora. Ela, sem prestar muita atenção no que acontecia, ficou na pista, rebolando. Seu corpo pecava lindamente: ela não era uma mulher, era um avião. Um avião abastecido com combustível adulterado. Acidentes assim podem ser fatais.

Uma vertigem a acometeu. Sua boca salivava, & seu sexo, molhado, palpitava. Dois homens sem camisa a abraçaram. Ela sentiu um ardor enorme dentro de sua alma carente. Fez-se uma luz & tudo ofuscou.

As amigas não sabiam mais o que fazer. Ela não atendia o telefone de casa. O celular estava sempre na caixa postal. Há dois dias ela não aparecia na loja para trabalhar. Era preciso tomar uma atitude. Os pais não estavam muito interessados no sumiço da filha. Também haviam telefonado para saber dela, mas achavam que, como ela não atendia, devia ser um problema com a operadora.

Bateram na porta incessantemente. Havia um ruído de rádio no interior do apartamento. Ela devia estar lá. Um vizinho tomou coragem &, apoiando as costas na parede e pressionando com o pé, arrombou a porta. Elas disseram que ele não poderia entrar & o agradeceram. Era uma triste visão.

O banheiro estava alagado. Rolos molhados de papel higiênico com sangue se espalhavam pelo chão. Toalhas manchadas de vermelho & de maquiagem ornavam terrivelmente o vaso sanitário & a pia. Muito vômito & fezes por toda parte. O odor era insuportável.

Esfregando a pele cheia de escoriações, a garota tinha os olhos opacos dirigidos para a janela. Uma garrafa de desinfetante vazia boiava dentro do box. As amigas a tiraram de lá, & não continham nem as próprias lágrimas nem o choro soluçante. Sujaram as camisetas da loja com o sangue dos arranhões dela.

Ela não se lembrava de muita coisa. Apenas disse que fora abraçada por dois garotos corpulentos, & que amanhecera no banheiro do baile, sem calcinha & com o vestido rasgado. Sentira sua rosa florescente agredida por cravos. Ao passar os dedos nela, percebera a crueldade que lhe haviam feito. Ofendida pelos presentes, xingada de puta, saíra seminua pela rua, & se trancara em casa. Não sabendo o que fazer nem com quem contar, purificara o corpo & o sexo com desinfetante.

Agora ela não mora mais lá. Ninguém bancou o homem galante com ela. Nenhuma mulher teve piedade ao fofocar o caso. A polícia nem pôde fazer muita coisa, pois um intelectual da ONG disse: "Isso acontece em qualquer lugar. Polícia aqui não. Só vai piorar o clima, que já é tenso." Então, ela teve de sair do apartamento que acabara de comprar. Sua vida, apesar de marcada, está muito melhor.

O líder comunitário ainda grita no sarau: "Nós vamos mudar isso aqui, & não nos mudar daqui. Os incomodados que se mudem." Ele se ajoelha para pedir perdão a todas as mulheres do mundo pela violência que os homens cometem contra elas, mas idolatra o cangaço. Basta perguntarem para as grandes avós nordestinas, & elas lhes dirão o quanto os cangaceiros apreciavam abusar sexualmente das mulheres. Principalmente das mais pobres.

Ajoelhe-se mesmo, ó grande líder. Você tem parte nessa história.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A IGUALDADE


                                                                           

                                                                                                      Para Luiz Felipe Pondé

Meretriz de longa crina, a treva penteada descendo pelas espáduas
A túnica colorida de aurora moldada ao volume dos seios
Longa seda como véu cobrindo a face
Todo o fulgor da auréola emanando Morte

Crianças brincam com um AK-47 na favela,
               todas gritando vosso nome
Velhos costuram a boca de um professor ranzinza
Pancadões orquestram o ritmo da lobotomia

Não há asilo para mulheres fúteis, poetas místicos & sacerdotes arrogantes

A deusa quer as vozes equalizadas, nada dissonante ou disforme
O Caos é Moema
A Virtude mora no subúrbio

Eu vi raios de sol fuzilando jovens
Mãos justas estrangularam Jesus

Nada é mais puro que a Senhora das Medidas
                Sua vagina recebe Barrabás ensanguentado pela luta

Mulher, eu sei que tens um preço, eis esse holocausto, abraça-me!
Um século de amor contigo & já não há uma mancha na moral do mundo
Vosso é o reino da Pureza
Vosso é o poder da Vida
Vossa é a glória da Razão

Nem o Pai poderia contra vossa força

Iluminais o cosmos cegando todos os que vos indignam
A fogueira para eles
O paredão para eles
O cadafalso para eles
A guilhotina para eles

Em busca do homem perfeito
sacrificarás a Humanidade, vadia


                                                               Manifesto contra
                                                               a vida no formigueiro

Père Kermann's (53,5%)





Eu recomponho a plenitude da Imaginação
cavalgando tua voz, Kermann’s
Quero saudar a libertação do Universo que palpita perpetuamente
                                                                                                   em tua alma
Quando escuto teu grito vibrante na alegria contínua
                                                                              com a força da Terra,
                               eu canto meus poemas dançando com a Morte,
                               essa brisa doente de saudade
Eu compartilho contigo minha exaustão diária no subúrbio,
                               abandonando a Finitude do operário
                               & me descabelando no Infinito
Bailarinas perdem o sono na espuma de nossa luxúria
Violamos mulheres aventureiras perdidas nas esquinas
                                                                                 da Praça João Mendes
Por que obedecer aos burgueses?
Por que alimentar desabrigados?
Nossa fúria não comunga com padres doutrinados na salvação
Nossa loucura nos chuta para a violência da Vida
                               pelo simples prazer de sermos
       violentos como ela
Desobedecemos completamente aos patrões, aos clientes,
                               aos revolucionários de botequim
                               & a todos os eunucos dos partidos


Nossa sombra ri no ritmo melancólico de um violoncelo
vivendo seu êxtase onde Nietzsche
se debruçou para morrer
Criminosos & acadêmicos percorrem a noite brincando
                                               no teatro do exorcismo, mas não trafegamos,
                meu adolescente azul, pelos caminhos deles
De mãos dadas contigo o entardecer
ganha uma triste aurora
                                                                              doce de beijar
Sendo um Espírito Livre não posso viver sem vomitar diariamente
                em órfãos que dormem invocando a Redenção
Toda Estrela da Manhã é meu pecado favorito
Inútil, arqueado sobre mim mesmo, embalo teu corpo quente
                encarnando, pela boca, todas as tuas dissonâncias
Minha consciência desperta numa sepultura disseminada pelo céu,
                onde querubins desobedientes flagelam maconheiros
                                                                              & fumam nicotina
Kermann’s, meu amor, somos mais puritanos que um convento,
                                               vamos sufocar burocratas na Faculdade
                                               de Direito & fugir para a intimidade
                                               do Infinito!
Quero te beijar violentamente & quero me beijes, ó delírio violeta
Todas as náuseas serão carícias tuas
Não há dor quando sou tua lâmina de matar o Tédio